quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Diário de design "Renascença" ─ dia 12

Uma das representações pictóricas da Conquista
Algumas provas e trabalhos realmente importantes da faculdade tiveram a minha atenção nos últimos dias, então minhas desculpas se a última atualização do diário de design demorou um pouco. Mas, numa boa notícia, pelo menos uma das matérias da faculdade está me servindo bem para aprender sobre um dos aspectos do período Renascentista: o Novo Mundo.

"Novo Mundo" é um termo etnocêntrico cunhado pelos europeus para definir o continente americano acidentalmente descoberto por Cristovão Colombo na última década do século XV, mais precisamente em 1492, numa tentativa encontrar um novo caminho para a Asia através da circunavegação do globo¹. O Velho Mundo, portanto, seriam os continentes já conhecidos pelo homem europeu (à época, a própria Europa, Ásia e África).

Neste novo mundo os europeus encontraram uma série de culturas trilhando caminhos diversos, de caçadores-coletores até culturas sedentárias urbanas. Destas últimas temos dois exemplos mais brilhantes: a Confederação Asteca e o Império Inca. Falaremos a seguir sobre estas civilizações e como pretendo trabalhar seus conceitos e a questão da Conquista no cenário.

Confederação Asteca

Notem que, apesar de algumas vezes nos depararmos com o termo "Império Asteca", o domínio Asteca na América Central não era realmente um Império na definição do termo, mas uma confederação liderada por três povos, na qual o povo asteca, e sua cidade de Teotihuacan, eram predominantes.

Os Astecas eram um povo relativamente novo naquela região, na qual seu predomínio tinha sido, numa visão histórica, recém-estabelecido, na qual tinham chegado, segundo seu mito de origem, após uma longa peregrinação. Apesar de estrangeiros adaptaram sua cultura à da região, incluindo seu deus no panteão local, e colocando-se no papel de escolhidos divinos para manter o equilíbrio do mundo, que servia perfeitamente bem a eles por justificar, interna e externamente, sua expansão militar, já que precisavam de prisioneiros de guerra para manter os sacrifícios humanos que o culto religioso exigia.

Seu predomínio político na região, portanto, era justificado através da religião, enquanto seu predomínio econômico era mantido através da tributação dos povos conquistados militarmente nas guerras santas (tal tributação consistia de todo tipo de produtos, além de pessoas para os sacrifícios e também uma tributação em trabalho por tempo determinado). Tal domínio político através da intimidação militar justificada religiosamente seria um dos fatores para o sucesso da Conquista, da qual iremos falar mais adiante.

Império Inca

O Império Inca era o maior e mais poderoso estado da América pré-colombiana. Em sua máxima extensão, chegou a incluir partes dos atuais territórios da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e finalmente Peru, onde se localizava sua capital Cusco. Assim como a Confederação Asteca, sua formação era relativamente recente quando da chegada dos espanhóis ao continente, tendo o Império sido fundado em 1438.

Este era um estado teocrático centrado na figura divina do Inca, literalmente "Filho do Sol", que governava as quatro regiões do Império a partir de Cusco. O estado Inca se baseava na tributação em escalas das diversas classes sociais ao Imperador através da mita, uma tributação em trabalho. Assim como na Confederação Asteca, este estado não possuía uma unidade étnica, sendo a reunião de dezenas, talvez centenas de povos conquistados militarmente pelos incas.

Assim como os astecas, o sacrifício humano era praticado na religião Inca², embora numa escala muito menor e por motivos diversos da civilização mesoamericana.

A Conquista

Militarmente falando a Conquista espanhola foi um milagre. Mesmo com armamentos e técnicas militares em tese superiores, a desvantagem numérica dos conquistadores tornava tal vantagem simplesmente inútil. Eram milhões de indígenas contra algumas centenas de espanhóis, mais especificamente, seiscentos espanhóis na campanha de conquista da confederação asteca e duzentos na campanha contra o Império Inca. Então como esse milagre acabou acontecendo? Sorte é uma resposta, desde que você entenda sorte como a junção de habilidade com oportunidade, ou seja, os espanhóis souberam aproveitar as oportunidades que lhes surgiram durante a Conquista.

O primeiro dos fatores a serem considerados para explicar a Conquista é a diversidade étnica dos estados ameríndios pré-colombianos encontrados pelos espanhóis, conforme já destacado anteriormente, que possibilitou todo tipo de alianças aos espanhóis. A importância destas alianças é tanta para o sucesso dessas campanhas que, em vez de dizer que os espanhóis conquistaram a América, eu arriscaria dizer que a América, liderada pelos espanhóis, conquistou a América.

Outro problema que se apresentou foi a confusão inicial, pelo menos no caso asteca, dos espanhóis com deuses ou representantes de Quetzalcoatl. Tal erro, ainda que percebido mais tarde pelos astecas, deu aos espanhóis liderados por Hernán Cortés uma série de oportunidades das quais eles souberam tirar proveito. Já no caso dos Incas Pizarro teve a boa sorte de iniciar a campanha justamente durante um período de conflito interno de sucessão, ou seja, ele nem mesmo teve, como Cortés, que iniciar uma guerra civil, pois ela já estava em andamento!

Também existe a questão das doenças. Com a chegada dos espanhóis, uma série de doenças europeias contra as quais os ameríndios não possuíam quaisquer anticorpos se tornaram pandêmica e dizimaram as populações nativas, o que diminuiu a sua capacidade de combater o invasor.

E um último e importante detalhe que é importante lembrar: a Conquista, ainda que às vezes seja apresentada assim na historiografia, não foi fácil, mas sim resultado de longos e sangrentos combates. Os espanhóis foram derrotados e forçados a recuar mais de uma vez durante as campanhas de conquista, e o cerco e batalha final por Teotihuacan durou sete meses, por exemplo, mesmo com os espanhóis contando com tecnologia superior, milhares de aliados indígenas e mais de uma praga assolando a capital asteca (notadamente uma de varíola).

E eu com tudo isso?

Certo, agora que já expliquei todo o contexto para vocês, vem a pergunta mais importante: como eu posso usar tudo isso no meu cenário? Várias idéias me vêem a cabeça, claro.

Acho que a mais divertida é com relação ao formato do mundo. Ok, mundos reais, que eu saiba, tem que ter esse formato de globo (não me perguntem porque). Mas mundos de fantasia, como o nosso, não precisam seguir essa regras da realidade. E se em vez de redondo ou plano, o mundo fosse uma mistura dos dois? Digamos que os continentes sejam ligados por caminhos de água com regiões de calmaria onde, se você seguir por elas, acabaria descobrindo uma borda? E se ele tiver formato de cone, com oceanos-estradas levando a diferentes partes ou níveis do mundo? E como a religião interpretaria o formato do mundo? Ele é conhecido? Ou seus habitantes acreditam em uma outra teoria? E se o mundo realmente for redondo como é devido, mas a civilização acreditar em outro modelo (e este for o apresentado para os jogadores)? Este é um tópico sobre o qual vou me debruçar e decidir nos próximos dias, é claro.

Outro aspecto importante é que este conceito de Novo Mundo é muito interessante para explicar a introdução de várias raças fantásticas num mundo até então essencialmente humano. E já que é um mundo de fantasia, que tal extrapolar essas influências? Digamos, por exemplo, que a confederação asteca do meu mundo seja um enorme conjunto de etnias élficas governadas por uma etnia humana que justifica seu governo sob a alegação de serem os descendentes dos deuses. Como ficariam essa etnia com a chegada de exploradores do velho mundo? Se eles não fizerem nada, serão dominados, mas se forem a guerra sua justificativa como descendentes divinos se esvai e eles serão destruídos pelos elfos aliados aos conquistadores...

Um outro conceito interessante da história da América é a de que não só os índios lutavam contra os conquistadores, mas também os deuses da América lutavam contra o Deus cristão. Num mundo onde os deuses podem muito bem existir, esses combates divinos podem ser bastante legais de se pensar, não?

Conclusão

Apesar de não ser exatamente o foco do cenário, esse pano de fundo da conquista de um novo mundo é importante de ser colocado como uma opção de campanha possível, e portanto também deve ser trabalhado com cuidado. Por sorte, História da América não apenas é uma das cadeiras do meu curso, mas aparece repetidas vezes nos meus próximos semestres, o que significa que vou poder conciliar trabalho com diversão mais uma vez. :)

Notas

¹ É curioso que essa viagem tenha sido financiada pela Espanha, um país não apenas católico, mas cuja fé comum era o item central da unidade nacional, já que a Igreja defendia a teoria medieval de que a terra era plana.

² Uma curiosidade interessante sobre isso são as múmias atualmente expostas em no Museu de Arqueologia de Alta Montanha, na Argentina, provavelmente as mais bem preservadas do período Inca. Dê uma olhada no site para um tour virtual, ou inclua no seu roteiro de viagem pela Argentina, se você tiver mais dinheiro do que este pobre universitário.

3 comentários:

  1. Eu sempre achei bem interessante essa parte da história, e ficava frustrada quando na história das américas do colégio a conquista era apenas pincelada (como se tivesse sido rápida e fácil) e então ia logo pras consequências. O que aconteceu com os antigos impérios não é novo, mas mostra como até as civilizações mais avançadas podem ser destruídas se seu ponto fraco for atingido.

    Seus posts suprem minha necessidade por aulas de história legais quando tudo o que vejo agora são bichinhos e química. XD

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  2. Poxa, dona Luiza, muito obrigado, viu, me emocionou, como um futuro professor de história. Beijos e continue acompanhando o blog. o/

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  3. Embora seja o livro de um linguista... e não de um historiador, sobre conquista da América indico esse livro.

    Mostra muito os "mind games" que os espanhóis faziam. =)

    TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América. A questão do outro. São Paulo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

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